Este desafio foi-me enviado pela Saltapocinhas que tem um post excelente, a relembrar o seu dia 24 de Abril de 1974.
E como ela merece, cá vai a resposta com as minhas lembranças desses outros tempos.
Vivia eu noutro Continente, em terras de ultramar, desta pátria outrora de aquém e além mar e frequentava (como todas as meninas de bem) um colégio interno de freiras, por acaso espanholitas. Tinha 13 anos e andava no 4º ano do liceu, hoje 8ºano.
Era maningue moderno, pois já tinha alunos do sexo feminino e masculino. Tudo a molho, mas com muita fé em Deus.
E como era de lei, tínhamos uma coisa que se chamava Mocidade Portuguesa. O que representava ser da Mocidade Portuguesa só muito mais tarde eu vim a perceber, mas a verdade é que todos queríamos ser do grupo porque se faziam uns acampamentos do melhor...!!! O resto eram piqueniques, bailes...e uns apontamentos que nunca ninguém lia.
Como tal, havia umas músicas que acompanhávamos à viola e cantávamos todos à volta da fogueira:
A primeira era um hino da própria mocidade de cuja letra alguns ainda se lembrarão:
Minhas botas, velhas, cardadas
Palmilhando léguas sem fim
Quanto mais velhinhas e estragadas
Tanto mais vigor sinto em mim...
Agora vamos ao que interessa: no meio destes cantares havia uma música que começava assim "Vejam bem, que não só gaivotas em terra, quando um homem se põe a pensar..."
Tinha-nos sido ensinada por um colega mais velho, mas sempre com a condição que só a podíamos cantar quando não nos estivessem a ouvir. Dizia ele que podíamos ir presos... ? Nós não percebíamos muito bem porque é que cantar estas músicas nos poderiam levar à cadeia mas era por isso mesmo, porque era proibido, que nos apetecia sempre cantá-las em vez das "botas velhas"
Tendo acordado no dia 25 de Abril, tal como nos outros dias, preparada para mais uma maratona de aulas, já era por aí meio da manhã quando se começou, em surdina, a ouvir dizer que tinha havido uma revolução.
O que é isso??? Uma guerra!
Onde? ?? Em Lisboa???? Mas isso era muito longe!
E depois???? Depois, vai haver liberdade!
Ai é? Então toca todos a cantar a canção do Zeca Afonso bem alto (também não podíamos dizer este nome, para não irmos presos), que afinal agora já somos livre e ninguém mais nos prende.
E foi isto que fizemos.
De resto, recordo que lá não havia televisão, as cartas demoravam 15 dias a chegar e o rádio nem sempre se "apanhava". Por isso demorou algum tempo até percebermos o que ia acontecer a seguir.
Era tudo sem stress!
E agora desafio
a Anabela
o Aijesus
a Didium
os Lírios do Campo
Eu sei que eles todos ainda não tinham nascido, mas podem inventar.
Ah! E entretanto mudei a data do desafio. Porque sim, só porque o que aconteceu nesse dia fez apagar a memória do anterior. E também porque me lembrei do Batista Bastos.
8 comentários:
Tens um link no blogue do Guinote. É favor ir lá espreitar.
beijocas
Aceite o desafio. Mas não vai ser agora de vido ao adiantado da hora.
beijocas
muito bem! mas era o dia 24 que tinhas de contar, mas pronto, estás desculpada :)
no meu colégio (era uma escola tb privada, não de freiras mas o director era um padre) também as turmas eram mistas.
Bea,
No dia 25 de Abril estava eu em Angola, Sá da Bandeira, hoje Lubango, terra onde nasci, assim como a minha mãe e a minha avó materna.
Também fiz parte da Mocidade Portuguesa,porque como tu bem disseste, faziam-se uns acampamentos muito "giros" e convivia-se, quanto ao resto eu própria nem sabia muito bem o que lá andava a fazer. Tenho uma foto onde estou fardada...
Nessa altura, e porque a informação era muito pouca, e estavamos restringidas à rádio, onde só se ouvia o que eles queriam, eu e muitos outros jovens vivíamos na "ignorância", na pura ingenuidade.
Quando os 3 partidos em Angola(MPLA, FNLA e UNITA) começaram a entrar em conflito, lembro-me de estar à mesa a almoçar, com o meu irmão e o meu pai(a minha mãe falecera em 72, muito nova!), a mesa e os talheres e nós próprios tremíamos, porque os tiros sobrevoavam a nossa casa.
Também me lembro de querer sair, ir ter com os meus amigos, e não me dexarem sair de casa.
Depois disseram-me que tinha que vir para Portugal, isto já em Set/Out de 1975. O meu Pai queria que nós tivessemos ido para a África do Sul, mas a boleia não apareceu...
Lembro-me perfeitamente do dia em que me colocaram no comboio,da minha avó a despedir-se de mim e a chorar muito.
Era tudo muito estranho, partir, deixar tudo,e o mais estranho ainda era a minha ignorância sobre o que se estava a passar.
Claro que sabia que tinha havido um golpe de Estado, o 25 de Abril, mas a verdadeira dimensão do problema, eu não a tinha. Tínhamos que partir, poderíamos ser mortos, era o que todos temiam. O meu Pai ficou lá até 1980.
Foi assim Bea.
Bem... o Ai Jesus, o blogue, ainda não tinha nascido -- mas o Ai meu Deus, eu, já. Estava no 1º aninho da faculdade. A 24 de Abril, depois das aulas como habitualmente, fui trabalhar: prefeito (!!!) num lar para meninos (perdão, para putos) de não-bem (da rua, de famílias desfeitas,...): as Oficinas de São José.
Não sei (não me lembro) se nesse dia um grupelho, de que fazia parte, reuniu. Reuníamos, primeiro numa República (numa espécie de, que as Repúblicas a sério são de Coimbra :-)), até que a polícia começou a andar por perto. Deslocámo-nos então para locais diversos e variáveis (a título de exemplo: para um pinhal nos arredores da urbe, para... comer umas castanhas e beber um vinho verde de um penico, reservado exclusivamente para o efeito -- o efeito da bebida).
O meu 24 de Abril não é só o 24: são todos os dias anteriores a 25. O dia em que redigíamos os comunicados (recordo-me em especial do de 1 de Dezembro) e, organizadamente e clandestinamente, os policopiávamos na sede de um sindicato (em stencil: recordam-se?), os enfiávamos nas caixas de correio ou por debaixo das portas. O dia em que o Eduardinho, um colega de faculdade e de quarto, topou que, sem sua autorização, tinha sido a sua máquina (que batia uma letra acima das restantes) a furar o stencil que deu origem a um comunicado à população: gritou-me que, se a pide topasse, ele me denunciava, eu neguei sempre que tivesse sido eu mas na realidade tinha sido eu mesmo porque afinal só ele afilhado de padre tinha máquina de escrever... O dia em que, após interrogatório da PSP, decidi preparar a minha fuga para a Holanda fuga à tropa fuga à guerra (já o disse: sou cobardolas quando se trata de ir para coisas destas). O dia em que saía da aula escassos minutos antes de a aula terminar, para afixar comunicado que, se afixado mais tempo antes, era arrrrrrrrancado pelo chefe de secretaria...
Mas é do 25 que guardo as recordações mais vivas. Do momento em que, vindo das Oficinas, na faculdade os colegas do tal grupelho me informaram de que tinha havido coisa em Lisboa. Da saída para a rua em longa manifestação que arrancou dos locais de trabalho os trabalhadores de uma cidade de arcebispos mas também de tradição de luta e de greve (seja o exemplo da fábrica da Grundig). Da multidão que amotinámos nesse dia. Das discussões nocturnas, vivas e frequentemente azedas, nos dias seguintes e em plena rua, em grupos formados espontaneamente -- da luta principal, nelas, entre o PC e o MRPP. Dos encontrões que levei quando participei activamente em comícios e sessões de esclarecimento (destaco um no Inatel, em que a coisa deu pró torto e foi preciso fugir pelos quintais traseiros). E do resto que se sabe...
PS (não o tal, credo!): Sei que não estamos a 24. Mas também não estamos a 25: 25 há-de ser outra vez quando quisermos.
Devido, que disparate!
Amigos
Obrigada pela partilha da vossa experiência... como se pode ver só quem o viveu lhe sabe dar valor... o resto passa a ser história, como tal coisa do passado e apenas história!
Fiquem bem.
olá! Lindas recordações que nos conta. A minha Mãe também andou num colégio de Freiras, no Luso Francês, onde esteve interna um ano ou dois. E quando fez a prova de Aferição, no Porto, veio do Marco e ficou hospedada no Porto. Beijos e uma boa semana.
Enviar um comentário